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28/03/2016

LITERATURA REGIONALISTA, ASPECTOS HISTORIOGRÁFICOS E LITERÁRIOS



Por Ricardo Antônio Guerra da Silva - Presidente. 

Condicionada pela tradição cultural e pelo devir histórico, a literatura tem, no entanto, uma dimensão que não se define somente pelas circunstâncias em que se produz. Nela, o talento individual do artista e a sensibilidade para os problemas de seu tempo são determinantes para mostrar, discutir ou criticar os principais aspectos de uma cultura. 
Centrado nessa ótica, a literatura é, pois, o conjunto de todas as manifestações verbais (orais ou escritas), e de intenção estética, seja do espírito humano em geral, seja de uma dada cultura ou sociedade. 
Os chamados romances regionalistas ou sertanistas (na verdade, romances de temática rural) parecem, à primeira vista, nascer da nostalgia do autor em relação ao rústico mundo interiorano, onde passara a infância. 
Na Mata Meridional Pernambucana, conhecida popularmente por Mata Sul Pernambucana, a literatura voltada para estes temas sempre foi escassa, e o sábio tempo se encarrega atualmente de assim, aos poucos, fazê-las raras, mas sem desaparecer.
No passado, o filão dos temas regionais levou a uma vasta produção literária onde o aspecto documentário se sobressaía com frequência, como os escritos por Euclydes da Cunha, Gilberto Freyre e recentemente por Manuel Correia de Andrade. A costumeira oposição entre romance regionalista e psicológico resolveu-se em termos puramente estéticos, no plano da criatividade linguística. Uma acentuada preocupação com a originalidade da forma e as invenções estilísticas surgiu, por outro lado, como traço em comum entre ficcionistas de orientações bem distintas.
Após a revolução artística, fruto das novas tendências modernistas, no período de 1922 a 1930, surge uma Literatura Brasiliana de caráter social e de um realismo regionalista. Essa nova tendência brasileira apareceu depois do famoso Congresso Regionalista do Recife, em 1926, organizado por Gilberto Freyre, José Lins do Rego e José Américo de Almeida. O Congresso tinha como proposta básica organizar uma literatura comprometida com a problemática nordestina: a seca, as instituições, o latifúndio, a exploração de mão de obra, o misticismo fanatizante e os contrastes sociais. 
A região nordestina foi fruto de uma ação continuada de construção de uma identidade nacional que toma aqui um aspecto regional. É assim que a oba freyreana resgata o tradicional, através de uma viagem ao passado. Baseando-se em suas próprias memórias, o autor de Casa Grande & Senzala vai esboçando, com uma mistura de erudito e popular, um contraponto à urbanidade do Sudeste brasileiro.
Com a realização do Congresso Regionalista de 1926, seus idealizadores tentaram construir um bloco teórico unido e coeso que, dessa forma, desse conta das inúmeras representações sobre o Nordeste. “Sir” Gilberto Freyre, socializa, destarte, uma nova versão Nordeste, norteado pela “cientificidade” da Sociologia. A região se personaliza num continuum identitário carregado nos prenúncios de “verdade das Ciências Sociais”. Em flagrante confronto com o movimento Modernista da Pauliceia Desvairada.
Euclydes da Cunha e Manuel Correia de Andrade são dois literatos tipicamente regionalistas, o primeiro retrata em Os Sertões a saga do nordestino e o seu fanatismo religioso. O segundo, com mais de cem livros publicados, o Nordeste das plantações de cana-de-açúcar e os conflitos existentes entre o sistema estamental-sesmeiro-escravista, baseado nas dinastias familiares, e o novo sistema industrial.
Poder-se-ia acrescentar ainda, José Lins do Rego, com os romances regionalistas: Fogo Morto e Menino de Engenho. De uma longa lista de autores regionalistas, não poderia ficar de fora dela José Américo de Almeida, com a sua obra-prima A Bagaceira, atualmente com mais de trinta edições em língua portuguesa, edição crítica e versões em espanhol, francês, inglês e esperanto. Sua obra, com dezessete títulos, abriga ainda ensaios, oratória, crônica, memórias e poemas. 
Em 1897, o jornal “O Estado de São Paulo” encarregou Euclydes da Cunha de fazer a cobertura jornalística da Guerra de Canudos, no interior da Bahia, causada por Antônio Vicente Mendes Maciel, o famoso líder místico conhecido por Antônio Conselheiro. Vê-se, portanto, que a sua obra literária, tecnicamente, é uma reportagem sobre o sangrento episódio.
“Os chefes, porém, não se iludiam. Premunidos de cautelas, concertaram uma defesa urgente. Pelos dias ardentes, viam-se os sertanejos esparsos sobre o alto dos cerros e à ourela dos caminhos, rolando, carregando a terra a picareta e a enxada numa faina incessante. Construíam trincheiras. O sistema era, pela rigidez, um ideal de fortificação passageira: aberta cavidade circular ou elíptica, em que pudesse ocultar-se e mover-se à vontade o atirador, bordavam-na de pequenos espaldões de pedras justapostas, com interstícios para se enfiar o cano das espingardas. As placas de talcoxisto, facilmente extraídas com todas as formas desejadas, facilitavam a tarefa. Explicam o extraordinário número desses fojos tremendos que progredindo, regularmente intervalados, para todos os rumos, crivando a terra toda em roda de Canudos, semelhavam canhoneiras incontáveis de uma fortaleza monstruosa e sem muros. Eram locadas, cruzando os fogos sobre as veredas, de tal modo que, sobretudo nos longos trechos onde aquelas seguem aproveitando o leito seco dos riachos, tornavam dificílima a travessia à tropa mais robusta e ligeira. E como previssem que esta, procurando escapar àquelas passagens perigosas, volvesse aos lados assaltando e conquistando as trincheiras que as orlavam, fizeram próximas, no alto das barrancas, outras mais distantes e identicamente dispostas, em que se pudessem acolher e continuar o combate os atiradores repelidos. De sorte que, seguindo pelos caminhos ou abandonando-os, os antagonistas seriam sempre colhidos numa rede de balas.” (CUNHA, 1962, pgs. 112, 115). 
Todavia, não se pode apenas apreciar a obra por este prisma, visto que se trata de uma impecável literatura informativa, de inegável padrão estético erudito lusófono, porém, abrasileirado, bem característico da linguagem jornalística da época, vindo a despertar, curiosidade na imprensa europeia. 
“Entre as obras da literatura brasileira traduzidas para o alemão, talvez tenha sido esta a que obteve maior ressonância, o que se pode verificar pelas resenhas, sempre elogiosas, que saíram em vários dos mais importantes jornais e revistas do país” (Berthold Zilly, 2006, pg 149).
Já o escritor Manuel Correia de Andrade, no auge dos seus 84 anos de saber acadêmico como membro da Academia Pernambucana de Letras, em A Guerra dos Cabanos continuava incansavelmente retratando o Nordeste Brasileiro não apenas nessa, mas em sua vasta obra literária. “A Guerra dos Cabanos foi a continuação do levante de Torres Galindo, por seus aliados em Pernambuco e Alagoas que a estenderam por uma zona menos povoada de mais difícil acesso, o que impossibilitava rápida ação do governo contra eles. Seus principais chefes em Pernambuco eram Manuel Afonso de Melo, na região do Una (Palmares) e Antônio Timóteo, em Panelas, destacando-se em Alagoas, João Batista de Araújo, em Barra Grande e Alexandre Gomes de Oliveira, que era diretor dos índios de Palmeira e alardeava dispor de “600 caboclos pra combater os federalistas”... A situação, porém, agravou-se seriamente logo após, quando os cabanos recolhidos às matas passaram a usar o método de guerrilhas, e as tropas, não conhecendo o terreno, sofriam perdas e desanimavam. Estas, por sua vez, não eram covenientemente renovadas, recorrendo o Governo ao alistamento dos soldados de primeira linha que davam baixas, proibindo o recrutamento de criminosos condenados, como já fora feito em outras ocasiões. Em novembro de 1832, começou o Presidente da Província Pernambucana a convocar os Guardas Nacionais, atingindo as circunscrições de Goiana, Igaraçu, Paud’Alho, Limoeiro, Una (Palmares), Sirinhaém, Água Preta e São José da Coroa Grande, a fim de que auxiliassem os habitantes do centro na luta contra os rebeldes, que no dizer estavam destruindo as propriedades, podendo, se não fossem dominados, lavar toda a Província. Estas solicitações não eram bem atendidas por não haver solidariedade entre os habitantes de várias regiões da Província e muitos temiam abandonar suas terras para ir lutar em lugares distantes, sabendo como eram difíceis as condições no campo de luta”. (ANDRADE, 2005 pgs 59, 66). 
A obra é resultado de reflexões sobre a formação brasileira e de pesquisas da nossa história, realizadas a partir da ideia de que a história do Brasil foi escrita em função dos interesses da classe dominante e do eixo central do país e chama a atenção para o fato de que a nossa formação histórica e literária dava mais importância a fatos de menor relevância ligados à classe dominante, esquecendo ou procurando impedir que se estudassem àqueles ligados ou desenvolvidos pela classe dominada. Podemos, destarte, afirmar que a obra A Guerra dos Cabanos, classificada como literatura de informação é de imensurável valor para a região da Mata Meridional Pernambucana e comparando-a com Os Sertões, equivale-se em teor estético, portanto, são obras de inestimável valor literário, como confirma o Jornal Alemão VossischeZeitung, anteriormente citado, referindo-se à literatura euclidiana. Devendo ser estudadas e dissecadas através de um exame ou consideração minuciosa no seu âmago. 
Outro ícone da nossa literatura regionalista meridional, Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira, começou a adentrar aos caminhos literários colaborando em jornais em 1912, em Palmares e Recife. Em 1922, tornou-se colaborador nos jornais recifenses Diário de Pernambuco e A Província. Dois anos depois, passou a escrever para os periódicos Mauricéia, Revista do Norte, Revista de Pernambuco, A Pilhéria, Revista da Cidade e Revista de Antropofagia, tornando-se, assim, uma espécie de correspondente regional.
Vê-se, portanto, que sua grande obra poética ainda estava por vir, pois seu primeiro livro de poemas, Catimbó, somente seria lançado em 1927 e em seguida, os demais: Cana Caiana, Poemas, Outros Poemas, Eu Voltarei ao Sol da Primavera etc.
Não obstante esta preciosa bibliografia, a Mata Meridional Pernambucana, atualmente ainda encontra-se carente de uma literatura reflexiva e informativa, voltada principalmente à sua história de lutas gloriosas. É preciso estudar mais as inúmeras revoltas e insurreições ocorridas no período das Regências no Segundo Império, sucumbindo, portanto, frente a outras não menos importantes e anteriores ao período, como a Inconfidência Mineira, conhecidíssima, devido ao envolvimento direto dos seus poetas árcades, todavia, abortada antes mesmo de se consolidar, ou seja, que morreu na fase conspiratória, mas que ganha páginas numerosas em nossa historiografia brasiliana. Enquanto isso, outras páginas da nossa história permanecem quase apenas nos documentos dos arquivos à espera das traças que as sepultarão para sempre no esquecimento mais completo.

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